Pegadas de Jesus

Pegadas de Jesus

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

CONTO: DESENCANTO


Quando ele cruzou o limiar da porta, e o vi pelas costas, levando consigo os meus sonhos de um amor ideal, minhas esperanças de uma vida perfeita, minhas ilusões, desmoronei. O chão abriu-se sob os meus pés, e me senti tragada. Estava tudo acabado.

A desilusão fechou-me as portas da alegria, e da vontade de viver, e abriu-se uma torrente de lágrimas.  Eu mal conseguia acreditar que pudesse ser verdade tudo o que estava me acontecendo. Por vezes, fechava os olhos, na esperança de ao acordar, constatar que tudo não passava de um terrível pesadelo... Mas, não era.

A vida perdera as cores, tudo me parecia cinzento, sem sentido. Desaparecera o brilho dos meus olhos, e eu já não ouvia a música suave que cantava o meu coração.

Desmoronei. Que dor lancinante! Nunca imaginei que o desespero causasse uma dor tão doída e tão profunda...

De angústia e tristeza foram pincelados os meus dias. E o meu coração inconsolável, gemia, inconformado pela perda, e pela saudade incontida.

Tudo em que acreditei, tudo o que investi, tudo que mais amei, se dissipava da minha vida como fumaça ao vento. 

Caí, me prostrei. Expus as feridas da minha alma. Deixei me conduzir pela solidão. Debati-me à procura de veredas, de caminhos amenos, porém, nada aplacava a minha dor. Por momentos tornei-me fria, insensível, para logo após, tatear à procura de esperanças, e de paz interior.

Sofri horrores, por dias que pareceram sem fim. E me permitir ficar assim, até me esvaziar de toda dor, e perceber que a vida é mais que o desengano.

Mas aprendi, às duras penas, e o desengano me fez compreender, que a vida é tecida na imprevisibilidade, por pessoas falíveis, com qualidades e defeitos, e que, portanto, está sujeita aos desencontros, e desencantos. 

Entendi que errei quando me enchi de expectativas, e que a vida não é um conto de fadas, a vida é real e essa realidade pode ser dura, muitas vezes.

Um dia a dor havia sarado. Não havia sequelas. Não restaram lágrimas, nem nada negativo. Cresci. Venci a desilusão. 

Mas, ainda acho que a vida sem encanto não tem graça nenhuma. O encanto é a poesia. Não importa se por causa disso precise sofrer, o importante é viver grandes emoções.
   
(Socorro Melo)



quinta-feira, 12 de novembro de 2015

FRAGILIDADE


Ontem, pela primeira vez, eu visitei uma UTI neo-natal. Fiquei sensibilizada com aqueles serzinhos indefesos e frágeis, mas, ao mesmo tempo fortes, lutando pela vida. Alguns entubados, outros precisando usar sondas para receberem o alimento, e todos dependentes de aparelhos e equipamentos médicos.

Bem ao lado da UTI neo-natal, numa sala chamada vip, que de vip só tem o nome, ficam as mamães. Todas apreensivas, cansadas, marcadas pelo sofrimento da espera. Algumas já há bastante tempo ali, ao lado dos seus bebés, aguardando o grande dia de voltar pra casa. Todas têm apenas um desejo, verem seus filhinhos em condições de levar vida normal. E todas carregam no peito um amor imensurável por aquelas criaturinhas frágeis que ainda estão em processo de formação e de fortalecimento.

A UTI neo-natal mexeu  com minha estrutura. Eu nunca havia pensado, de verdade, como seria. Pareceu-me um santuário. Um lugar sagrado. Apesar da fragilidade de cada um, senti uma energia boa, positiva, uma ternura pairando no ar. Senti uma força estranha movendo aquele lugar, uma força que sozinhos aqueles bebezinhos não teriam. E percebi a importância do trabalho daquelas profissionais, tão dedicadas, delicadas, cuidadosas, um pouco mãe de cada um. 

Em contrapartida, hoje, quando fazia minha caminhada matinal, ultrapassei uma senhora magrinha, bem velhinha, que caminhava a passos lentos, levando numa mão uma garrafinha de água, e na outra uma sombrinha. Pareceu-me tão frágil, talvez ainda mais por ser encurvada. E fiquei observando-a. E ela caminhava até bem, dentro das suas limitações. Era a luta por uma melhor qualidade de vida, certamente.

Achei tão bela a atitude daquela senhora, de estar às seis da manhã, naquela idade, com tantas limitações, se exercitando. Senti que uma força estranha movia aquela mulher, o desejo de viver, de aproveitar cada instante procurando se melhorar.

Dois extremos. O começo e o fim da vida. A primavera e o outono. Ambos tão permeados pela fragilidade. E assim é o nosso caminho. Tão dependentes uns dos outros. Tão frágeis. Tão pequenos.

Mas, no meio do percurso nos enchemos de orgulho, de insensatez, e passamos a acreditar que somos independentes, implacáveis, poderosos... Qual nada!  Ai de nós se não houvesse uma força estranha a nos mover, a nos direcionar, e a dar maior sentido às nossas vidas.

(Socorro Melo).